domingo, 26 de setembro de 2010

Bom dia

Certa manhã acordou de sonhos tranquilos.

Logicamente, havia algo de errado naquele dia. Ripas de madeira pressionavam costas e costelas; Sentia perto do rosto a fria limitação, menos de um palmo era a distância até seu corpo... Seria a tampa de meu caixão? - pensou. Era uma criança de imaginação mórbida e já tinha lido o bastante sobre pessoas enterradas vivas, tanto como favor como por punição... Antes que precisasse emular o desespero dessas personagens dos livros e filmes que tinha visto, antes de esmurrar o seu caixão com a pouca força do corpo que acorda, tratou de confirmar, conforme a vista ia se acostumando, que a tal muralha que se estendia em sua frente era MESMO o piso azulejado de seu quarto.

De qualquer modo, essa informação não lhe fornecera a segurança devida e merecida, a pequena distância entre ele e o piso era ainda agoniante e o seu corpo ainda parecia ser tragado com força em direção às farpas da madeira fina que formava o que acreditava ser o estrado de sua cama. Assim como pouco ajudava perceber (pela parca luminosidade que adentrava o quarto) que ainda não havia amanhecido. Sua mãe tinha o sono leve e odiava perder os preciosos minutos de sono anteriores ao Sol e à tripla jornada de trabalho. Qualquer barulho poderia ser mortal e, por alguns segundos, sentiu-se orgulhoso de sua serenidade até o momento, orgulhoso de não colocar tudo abaixo como sempre o incriminavam. Antigamente, tinha medo dos monstros que debaixo da sua cama moravam, mas agora entendia o porquê deles gritarem tanto...

Mas não ia gritar.

Estendendo ao máximo a sua mão esquerda pôde reconhecer o seu criado-mudo, cujos pés tateou até chegar ao piso com o qual se defrontava e que, na direção contrária, se prolongavam pelo infinito abismo que se tornara seu quarto.

Tinha, de fato, acordado invertido!



De tanto desrespeitar a gravidade das situações que lhe ensinavam na escola, tinha sido esquecido e trapaceado pela gravidade. Considerou, então, que todos os precedentes da física estavam em aberto; Que também poderia jogar sujo com a legalidade terrena e facilitar a sua fuga/queda/despertar com a ajuda do criado-mudo. Bastava um pouco da sorte dos filmes de ação: Se fizesse uma alavanca com a perna esquerda, poderia, com o impulso, tentar cravar as mãos no móvel e evitar a queda brusca em direção ao teto de seu quarto. Assim se livraria da dureza dos grilhões do est(r)ado em que estava - e estava até criando certa simpatia por ficar embaixo da cama, no quentinho das ripas separadas, mas estava também bastante atrasado para o horário escolar.

Tomou coragem para enfrentar mais um dia.

Decidiu começar com o pé esquerdo. Lançou seu corpo como em um passo de ballet para a queda de sua vida. Dispensou a ajuda de criados!

Subiu aos céus.

Se estatelou no teto!!!




Apesar de todo o virtuosismo da coreografia, o barulho não impede que a fera acorde... Não será um dia bom pra ambos.

- Caiu da cama, menino? Desce daí e limpa esse sangue no piso novo.

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